Khachatur Abovian e o armênio moderno

Apesar de o idioma armênio ser um idioma milenar, assim como sua literatura e seu alfabeto, os falantes de hoje em dia falam uma versão fundada por um dos grandes nomes da rica história armênia: o escritor Khachatur Abovian.

Primeiros anos

Nascido no dia 15 de outubro de 1809 na vila de Kanaker, nos arredores de Yerevan, que à época era parte do Império Persa, Abovian era filho de Avetik e Takuhi, que haviam se casado seis anos antes. Tinha um irmão que se chamava Garabed, mas que faleceu aos três anos de idade.

Pintura de Gevorg Bashinjaghian retratando a casa em que nasceu Khachatur Abovian

Vindo de família de origem nobre, era descendente de uma das cinco famílias que governavam a região história de Artsakh [link-artsakh] e, mais do que isso, a família Abovian ocupava o cargo de tanuter (senhorio hereditário) em Kanaker – inclusive, seu tio foi o último a ocupar esse cargo.

Por sua origem nobre, desde cedo ele tinha um senso de responsabilidade para com o povo armênio, ao mesmo tempo em que vivia em uma época de grande turbulência e mudança na história armênia, incluindo as invasões otomana e persa e a ocupação russa da Armênia.

Quando tinha 10 anos de idade, foi levado por seu pai para Echmiadzin para estudar para o sacerdócio. Porém, ele desistiu depois de cinco anos e se mudou para Tiflis, que era um grande reduto armênio na época – hoje, a cidade é conhecida como Tbilisi e é a capital da Geórgia. Lá, estudou estudos armênios e línguas na Escola Nersisian sob a orientação do célebre autor Harutiun Alamdarian (1795-1834).

Se formou em 1826 e havia planejado se mudar para Veneza para continuar seus estudos. No entanto, o início da Guerra Russo-Persa (1826-1828) mudou seus planos e nos três anos seguintes ele lecionou no monastério de Sanahin e trabalhou para o Catholicos Yeprem I (1809–1830) como seu escriturário e tradutor.

 

Mudança

A grande mudança na vida de Khachatur Abovian aconteceu em setembro de 1829, quando Friedrich Parrot, professor de física da Universidade de Dorpat, em Livônia (na atual Tartu, Estônia), viajou à Armênia para escalar o monte Ararat.

Parrot, que tinha como objetivo realizar estudos geológicos, solicitou um guia local e um tradutor para essa expedição inédita, que tinha aprovação do imperador Nicolau I do Império Russo, que agora dominava a Armênia; assim, o Catholicos designou Abovian para esse trabalho. E graças a ele, Parrot se tornou o primeiro explorador nos tempos modernos a alcançar o cume do Monte Ararat.

O Monte Ararat, que Friedrich Parrot subiu em 1829; após o Genocídio Armênio, está localizado na atual Turquia

Para fazer esse feito, Abovian e Parrot cruzaram o rio Arax no distrito de Surmali e seguiram para a aldeia armênia de Akhuri, localizada na encosta norte do Ararat, a 1.200 metros acima do nível do mar. E seguindo conselho de seu professor Harutiun Alamdarian, foi montado um acampamento base no Mosteiro de São Hakob, que fica a uma altura de 1.943 metros acima do nível do mar – Abovian foi um dos últimos viajantes a visitar ambos os lugares antes de serem soterrados, após um trágico terremoto em 1840.

Todavia, a primeira tentativa de escalar a montanha falhou devido à falta de roupas quentes. Outra tentativa foi realizada seis depois, após conselho de Stepan Khojuants, o chefe de Akhuri; ; dessa vez, pelo lado noroeste. E depois de atingir uma altitude de 4.885 metros, a dupla teve que voltar pois não alcançaram o cume antes do pôr do sol.

Finalmente, eles alcançaram o cume na terceira tentativa, no dia 9 de outubro de 1829, às 15h15. Ao chegar lá, Abovian cavou um buraco no gelo e ergueu uma cruz de madeira voltada para o norte. Além disso, pegou um pedaço de gelo do cume e carregou consigo em uma garrafa, considerando a água como benta. Menos de um mês depois, no dia 8 de novembro, eles escalaram o Baixo Ararat.

Khachatur Abovian voltou a escalar o Monte Ararat outras duas vezes: em 1845, com o mineralogista alemão Otto Wilhelm Hermann von Abich, e com o inglês Henry Danby Seymor, em 1846.

O mentor de Abovian, Friedrich Parrot

Impressionado por seu guia e amigo, Friedrich Parrot o ajudou a entrar na Universidade de Dorpat. Lá, Abovian estudou Ciências Sociais e Naturais, Literatura e Filosofia Europeia, aprendendo ao mesmo tempo o alemão, russo, francês e latim.

Armênia

Um grande admirador e amante do povo armênio, Abovian retornou à Armênia em 1836, preocupado com a opressão de seu povo por potências estrangeiras e preocupado com a limitada cultura intelectual da sociedade armênia. Ele escreveu prolificamente, explorando questões contemporâneas por meio de uma variedade de estilos de escrita: romances, contos, descrições, peças de teatro, composições científicas e artísticas, versos e fábulas. Além disso tudo, ele foi o primeiro escritor armênio a escrever literatura infantil.

Mais do que apenas interessado em publicar suas ideias, ele queria garantir que seu trabalho pudesse ser lido e compreendido por todos. Como resultado dessa ideia, ele compôs obras em vernáculo coloquial, acreditando que escrever na língua falada pelo seu público tornaria sua obra mais lida, mais compreendida e, portanto, mais impactante. Isso o levou a escrever o primeiro romance na história publicado em armênio oriental: As Feridas da Armênia (Verk Hayastani, numa transliteração livre).

As Feridas da Armênia

O romance histórico, que foi escrito em 1841 e publicado pela primeira vez apenas em 1858, foi o primeiro romance secular armênio dedicado ao destino do povo armênio e sua luta pela libertação no período da Guerra Russo-Persa, ao mesmo tempo em que aborda o sofrimento dos armênios sob a ocupação persa. Além disso, sua importância se deve pelo fato de que Abovian o escreveu na língua armênia moderna (o armênio oriental), se baseando no dialeto de Yerevan em vez do armênio clássico. Assim, Khachatur Abovian inaugurava a literatura armênia moderna.

O romance tem como conceito básico a afirmação de sentimentos de mérito nacional, patriotismo e ódio aos opressores; todos esses temas tiveram uma profunda influência sobre diversas camadas da sociedade armênia da época.

A história do livro começa com um sequestro de uma menina armênia por bandidos persas, que desencadeia uma revolta liderada pelo herói do livro, Agassi, que personifica o espírito nacional armênio: um amante da liberdade e que possui vontade de lutar contra os conquistadores estrangeiros; seu lema é “dê sua vida, mas nunca desista de sua terra natal”.

Legado

Mais do que fundador do armênio oriental e da literatura armênia moderna, Abovian foi importante também por suas poesias, suas obras científicas e artísticas de não-ficção e suas traduções para a língua armênia das obras de célebres autores como Homero, Goethe, Schiller, Karamzin, entre outros.

Ele estava muito à frente de seu tempo e praticamente nenhuma de suas obras foi publicada em vida. Ele desapareceu misteriosamente em 1848 e de forma trágica ninguém sabe o que aconteceu com ele. Um dia, de manhã cedo, ele saiu de casa e nunca mais voltou. Seu desaparecimento nunca foi solucionado.

Com sua grandeza e importância, Khachatur Abovian foi uma figura pioneira na literatura e cultura armênia, cuja vida e obra continuam a inspirar e influenciar gerações de armênios e pessoas ao redor do mundo. Seu compromisso com a educação a consciência cultural e de seu povo ajudaram a moldar a identidade armênia moderna e lançaram as bases para o desenvolvimento da literatura e linguística armênias modernas. E apesar dos poucos anos vividos, Abovian manteve-se comprometido com seus ideais e sua visão de um futuro melhor para seu povo.

E após anos de ostracismo sobre sua grandeza, hoje ele é considerado um dos grandes armênios da história armênia. Um verdadeiro herói nacional, seu legado é celebrado e estudado de muitas maneiras. Por todo o país existem ruas, estátuas e monumentos dedicados a ele.

 

Retrato de Khachatur Abovian

 

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