Mesrop Mashtots e o Alfabeto Armênio

Um dos pilares da identidade do povo armênio é, sem dúvidas, a sua língua, que, apesar de fazer parte da família das línguas indo-europeias (assim como o português), possui um ramo próprio e separado – ou seja, apesar de uma origem comum para todas as línguas deste ramo, não existe nenhuma língua similar ao armênio, como é o caso do português e do espanhol e do alemão e do holandês, entre diversos outros exemplos.

Em sua milenar história, a língua armênia tem três estágios de desenvolvimento:
• Armênio antigo – foi utilizado até o Século XI;
• Armênio médio – utilizado do Século XI até o Século XVI;
• Armênio novo – utilizado do Século XVII até os dias de hoje.

O antigo armênio ou Grabar (“a palavra armênia”) é o primeiro estágio da língua armênia. Foi usado em manuscritos antigos e é usado durante as cerimônias da igreja.

A maioria dos manuscritos antigos armênios (são mais de 17.000) foram escritos em armênio antigo e agora estão sendo mantidos no Matenadaran (localizado em Yerevan). Os historiadores mais famosos como Movses Khorenatsi, Koryun, Agantangeghos, Eghishe e muitas figuras públicas famosas viveram e trabalharam durante a primeira fase do antigo armênio. O armênio médio foi utilizado entre os Séculos XI e XVI.

Já nova língua armênia foi utilizada a partir do Século XVII; o fundador é o grande poeta Khachatur Abovyan. Tem suas próprias ramificações: o armênio ocidental, que está sendo usado pelos armênios da diáspora, e o armênio oriental, que é a língua oficial da República da Armênia.

E ao contrário da língua armênia, que pouco se sabe sobre sua origem, sobre o rico e único alfabeto armênio, que foi criado em 405 d.C., temos muitas informações, no qual vamos falar hoje. Mas antes de falarmos sobre o alfabeto, precisamos falar sobre o seu criador, o monge e santo Mesrop Mashtots.

Mesrop Mashtots

Nascido no seio de uma nobre família por volta do ano 360 em uma pequena aldeia chamada Hatsik, que ficava próximo ao Monte Ararate – no então Reino da Armênia e que atualmente está localizada na Turquia –, São Mesrop Mashtots desde pequeno tinha fascínio por idiomas, aprendendo, assim, o persa e o grego, um idioma que ele tinha tanto conhecimento que o fez a se tornar conselheiro do rei Cosroes IV da Armênia.

Aos 35 anos de idade, ele iniciou sua vida monástica; nesse período, foi ordenado sacerdote e manteve uma estima vitalícia pela vida ascética (ou seja, a prática da negação de desejos físicos ou psicológicos a fim de atingir um ideal ou objetivo espiritual). Além disso, ele espalhou o cristianismo em áreas remotas da Armênia e suprimiu o mazdaísmo, uma religião descendente do zoroastrismo.

E foi em suas andanças que ele teve a ideia de traduzir a Bíblia para a língua do próprio povo armênio; um alfabeto armênio deveria ser criado para cumprir essa tarefa – até então, os armênios não tinham alfabeto próprio e, em vez disso, usavam escritas gregas, persas e siríacas, nenhuma das quais era adequada para representar os muitos sons complexos do armênio. As Sagradas Escrituras e a liturgia eram, em grande parte, ininteligíveis para os fiéis e exigiam a intervenção de tradutores e intérpretes.

Então, Mashtots foi a Neápolis, na Grécia, e contou sua ideia sobre a criação de um alfabeto próprio ao Catholicos Sahak Part’ev; juntos, para buscar orientação divina nessa tarefa, formaram uma fraternidade de oração. Depois, eles abordaram o rei armênio Vramshapuh, que apreciou o valor de um alfabeto próprio e o potencial para moldar a cultura e a espiritualidade do povo armênio.

 

Gravura representando São Mesrop Mashtots, o fundador do alfabeto armênio

Ambos auxiliaram Mashtots na invenção do alfabeto, que também consultou Daniel, um bispo da Mesopotâmia (região que atualmente corresponde ao Iraque, Kuwait e partes da Síria), e Rufinus, um monge de Samósata (na atual Turquia).

Assim, em 405, São Mesrop criou um alfabeto de 36 letras, que é composto como uma oração, ao começar com A de Astvats (= Deus) e terminando com K’ de K’ristos (= Cristo). Posteriormente, no Século XX, outras duas letras (“o” e “ֆ”) foram adicionadas ao alfabeto, para representar sons estrangeiros. E a primeira frase em armênio escrita por São Mesrop depois que ele inventou as letras foi a linha de abertura do Livro de Provérbios de Salomão:

Ճանաչել զիմաստութիւն եւ զխրատ, իմանալ զբանս հանճարոյ (“Para se conhecer a sabedoria e a instrução; para se entenderem, as palavras da prudência.”)

O alfabeto armênio e suas 38 letras

A invenção do alfabeto representou o início da literatura armênia e provou um fator essencial na construção da identidade armênia. Ainda incentivado pelo rei Vramshapuh, fundou inúmeras escolas e monastérios pela Armênia, nos quais os jovens aprendiam o novo alfabeto.

Também ensinou e trabalhou no mosteiro de Amaras, em Artsakh, onde traduziu do grego a primeira Bíblia Armênia popular, por volta do ano 410.

Além do alfabeto armênio, ele é também considerado por vários estudiosos o criador dos alfabetos caucasiano albanês e georgiano.

Monge, compositor, teólogo e hinólogo, São Mesrop Mashtots é venerado como santo na Igreja Apostólica Armênia e nas igrejas Ortoda Oriental e Católica Oriental, além de ser homenageado até os dias de hoje por armênios de todos os cantos. Faleceu no dia 17 de fevereiro de 440 em Vagharshapat, a quarta maior cidade da Armênia, e está enterrado em uma capela em Oshakan, um vilarejo a 8 quilômetros da cidade de Ashtarak.

O alfabeto armênio

Utilizado há mais de 1.600 anos, o alfabeto armênio, além da união nacional, tornou possível que escritores e estudiosos armênios produzissem obras de literatura, história e teologia, obras essas que poderiam ser compartilhadas e estudadas por gerações futuras. Uma das obras mais famosas da literatura armênia é o poema épico “David de Sassoun”, que foi escrito no século X d.C. Este poema conta a história de David, um herói que luta contra os invasores árabes que haviam conquistado a Armênia. O poema se tornou uma parte importante da cultura armênia, e ainda é lido e recitado pelos armênios hoje. O alfabeto armênio também desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento do cristianismo armênio e ele é baseado no princípio de um som por letra, o que torna mais fácil de aprender e usar. Cada letra representa um som específico na língua armênia, não tendo letras silenciosas ou letras com sons variáveis, como em alguns outros alfabetos. Isso torna o alfabeto armênio muito preciso e eficiente para escrever a língua armênia.

As letras armênias são divididas em três grupos: vogais, consoantes e letras de pontuação.  Na língua armênia existem seis sons de vogais (ա, է, ը, ի, օ, ու), que representam as seguintes oito letras (ա, ե, է, ը, ի, ո, օ, ու). As vogais podem ser escritas sozinhas ou combinadas com consoantes para formar sílabas; elas são distintas das vogais em outras línguas, possuindo sons próprios.

Já algumas das consoantes são similares às consoantes em outras línguas, como o português e o, enquanto outras são únicas para a língua armênia. As consoantes armênias são divididas em dois grupos: consoantes simples e consoantes duplas. As consoantes duplas são formadas pela combinação de duas consoantes simples e representam um som mais complexo.

As letras de pontuação no alfabeto armênio incluem pontos, vírgulas e dois tipos de sinais de exclamação. Essas letras de pontuação são usadas para marcar pausas, ênfases e outras características da linguagem escrita.

Responsável pela preservação da língua armênia, o alfabeto armênio também é usado em comunidades armênias em todo o mundo, como no Brasil, Estados Unidos, Argentina, Rússia, entre outros – o uso do alfabeto armênio nestes países é um dos fatores que ajuda a preservar a cultura e a identidade armênia na diáspora.

Hoje, o alfabeto armênio é considerado uma das principais realizações do povo armênio e, sem dúvidas, nenhum povo do mundo admira tanto o seu alfabeto quanto o povo armênio. Em 2005, a UNESCO incluiu o alfabeto em sua lista de Patrimônio Cultural da Humanidade, reconhecendo sua importância como parte vital da história e da cultura da Armênia e de seu povo.

Sem sombra de dúvidas, o alfabeto armênio é um dos mais distintos do mundo, que faz parte de uma das culturas mais distintas do mundo, a cultura armênia!

Letras do alfabeto armênio feitas em pedras gigantes; o monumento foi inaugurado em 2005, em Byurakan, em homenagem a São Mesrop Mashtots

 

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