Hoje, dia 21 de março, relembramos o ato de Soghomon Tehlirian, que há 103 anos assassinava Talaat Pasha, um dos mentores do Genocídio Armênio.
Nascido no dia 2 de abril de 1896 na aldeia de Nerkin Bagarich, na região de Erzurum – na atual Turquia -, cresceu nas proximidades de Erzincan (Yerznga). Ele começou sua educação em uma escola evangélica em Erzincan, depois frequentou a Escola Ketronakan de Constantinopla. Como seu pai havia se mudado para a Sérvia, ele foi estudar engenharia no país e tinha como planos futuros continuar seus estudos na Alemanha.
Em 1914, ano que estourou a Primeira Guerra Mundial, ele estava estava em Valjevo, Sérvia, e no outono daquele ano dirigiu-se à Rússia e juntou-se ao exército para servir numa unidade voluntária na Frente do Cáucaso contra os turcos.
Soghomon Tehlirian como voluntário em 1915
Em junho de 1915, em pleno Genocídio Armênio, que havia começado em 24 de abril do mesmo ano, a polícia otomana ordenou a deportação de todos os armênios em Erzincan. A mãe de Tehlirian, três irmãs, o marido de sua irmã, seus dois irmãos e uma sobrinha de dois anos foram deportados. Mais do que isso, ele testemunhou o assassinato de sua mãe e de seu irmão, ao mesmo tempo em que viu o estupro e assassinato de suas três irmãs. Ao todo, Tehlirian perdeu 85 membros da família no Genocídio Armênio.
Durante os ataques, ele foi atingido na cabeça e deixado para morrer. Ele sobreviveu e fugiu para Tbilisi, Geórgia, onde se juntou à ARF (Federação Revolucionária Armênia).
Soghomon Tehlirian em 1922
Após o fim da Primeira Guerra Mundial e a derrota otomana no conflito, o novo governo otomano, sob pressão dos Aliados, decidiu processar membros do governo dos Jovens Turcos e do comitê central do Partido União e Progresso por terem envolvido o Império Otomano na guerra, além de organizar a deportação e o massacre dos Armênios. No entanto, os principais responsáveis dos Jovens Turcos (Mehmet Talaat, Ismail Enver, Ahmed Cemal, Behaeddin Shakir, Mehmet Nazim, Osman Bedri e Hussein Azmi) conseguiram escapar da responsabilidade criminal ao embarcar em um navio de guerra alemão em 1º de novembro de 1918.
No outono de 1919, durante a 9ª assembleia geral da Federação Revolucionária Armênia (ARF) em Yerevan, uma missão especial altamente secreta foi criada, sob liderança de Armen Garo, Embaixador da Armênia nos Estados Unidos. Conhecida como Hatuk Gortz – ou Operação Nemesis -, a missão tinha o objetivo de encontrar e punir os responsáveis pelos massacres armênios, especialmente os líderes dos Jovens Turcos.
A ideia de atacar e eliminar Talaat, o Ministro do Interior do Império Otomano que ordenou a prisão e deportação dos armênios, surgiu para Tehlirian em 1916, quando, como jovem voluntário, retornou a sua cidade natal e viu a casa de seus pais saqueada e em ruínas. Esse evento lhe causou um forte estresse mental e fez com que perdesse a consciência, tendo visões de sua mãe assassinada.
Soghomon Tehlirian não conhecia Talaat pessoalmente, nunca o encontrou cara a cara e nem falava alemão. Ele contava com uma equipe profissional que já havia realizado um extenso trabalho de reconhecimento e organização em Berlim para ajudá-lo a cumprir a missão que lhe foi confiada
O Ministro do Interior do Império Otomano, Talaat Pasha
Talaat havia mudado seu nome e vivia em Berlin com sua esposa sob o nome de Ali Salih Bey; na capital alemã, residia em um luxuoso apartamento alugado de nove quartos na Rua Hardenberg. Segundo rumores, Ali Salih era um ex-comerciante falido que administrava um café oriental na cidade. O apartamento foi providenciado para eles pela embaixada turca. Talaat também mudou sua aparência, optando por usar um chapéu europeu em vez de seu fez turco característico. A busca por Talaat foi coordenada a partir de Boston, onde telegramas codificados eram regularmente enviados. Tehlirian conseguiu alugar um apartamento próximo ao de Talaat e observou-o de perto por vários dias.
Vingança
Finalmente, Talaat foi identificado e sua identidade foi meticulosamente confirmada para garantir que ninguém fosse ferido acidentalmente durante a operação. Sua execução ocorreu em 15 de março de 1921, um dia antes da assinatura do Tratado Antiarmênio de Moscou. A escolha da data não foi aleatória, pois coincidiu com a Conferência Russo-Turca de Moscou (26 de fevereiro a 16 de março de 1921), que resultou no Tratado de Amizade e Irmandade entre os Bolcheviques e os Kemalistas, decisivo para a questão dos territórios armênios sem a participação armênia.
Naquela manhã, Soghomon Tehlirian assassinou com um único tiro Talaat Pasha, o principal arquiteto do Genocídio Armênio, na Rua Hardenberg, em plena luz do dia. Na época, apenas Tehlirian sabia que a vítima era Talaat.
Após o assassinato, Tehlirian não fugiu e foi preso no local do crime e levado à delegacia local para interrogatório. Devido à sua limitada habilidade com o idioma alemão, ele solicitou que o interrogatório fosse conduzido em armênio, com a ajuda de um tradutor – ele afirmou que agiu sozinho em um ato de vingança pessoal e não teve cúmplices.
O corpo de “Ali Salih” foi identificado por seu antigo amigo Behaeddin Shakir, que confirmou que a vítima era o ex-líder otomano. Taalat Pashat foi enterrado cinco dias após sua morte, já que as autoridades turcas proibiram seu enterro em sua terra natal. Na Alemanha, seus antigos aliados organizaram um funeral luxuoso para ele em Berlim, com muitas coroas de flores, visitantes turcos de diferentes países, discursos e declarações anti-armênias.
Julgamento
Durante o o julgamento em Berlim, que foi realizado nos dias 2 e 3 de junho de 1921, testemunharam um oficial alemão de alto escalão, Liman von Sanders, o conhecido ativista pró-armênio Johannes Lepsius e sobreviventes do Genocídio Armênio. Tehlirian foi representado por advogados proeminentes: os consultores jurídicos Adolf von Gorton e Johannes Werthauer,além do Professor de Direito da Universidade de Kiel, Dr. Kurt Niemeyer. Eles utilizaram telegramas originais para provar as ações de Talaat, nos quais o antigo Ministro do Interior do Império Otomano ordenava a deportação e extermínio dos armênios.
Legalmente, a defesa de Tehlirian baseou-se no artigo 51º do Código Penal Alemão, que estipula que “não há crime se o perpetrador, no momento da ação, estava inconsciente ou sofria de um distúrbio mental que o tornasse incapaz de querer”. Tehlirian foi absolvido pela decisão do júri em 3 de junho de 1921.
O julgamento de Tehlirian provocou uma resposta significativa na esfera política e social. Recebeu ampla cobertura da imprensa europeia, americana e armênia da época. Também, influenciou o advogado polonês Raphael Lemkin, que mais tarde cunharia o termo “genocídio”. Ele refletiu sobre o julgamento: “Por que um homem é punido quando mata outro homem? Por que a morte de um milhão de pessoas é um crime menor do que a morte de um único indivíduo?”
Julgamento de Soghomon Tehlirian
Após o julgamento, Tehlirian se estabeleceu inicialmente em Manchester e depois em Belgrado, adotando o nome de Sogomon Melikian por questões de segurança pessoal e familiar. Em 1953, mudou-se para Casablanca e, em 1954, para São Francisco, onde faleceu em 23 de maio de 1960 como Soghomon Melikian. Ele foi enterrado em Fresno. Tehlirian era casado com Anahit Tatikyan e teve dois filhos, Zaven e Shahen.