Hoje, dia 20 de fevereiro, armênios de todo o mundo relembram os 34 anos do Movimento Karabakh, um movimento nacional que aconteceu entre 1988 e 1991 e que contou com adesão popular na Armênia e Artsakh. Nele, foi defendido, de forma legítima e democrática, durante ainda os anos da União Soviética, a transferência do Oblast Autônoma de Nagorno-Karabakh, então controlado pelo Azerbaijão, para o controle da Armênio.
Porém, para entendermos a importância do Movimento Karabakh, temos que entender suas origens.
A República de Artsakh, também conhecida como Nagorno-Karabakh, historicamente sempre foi habitada por armênios, há milênios. Porém, em 1920, ela foi anexada à União Soviética e, três anos depois, foi estabelecida como uma região autônoma dentro da República Soviética Socialista do Azerbaijão. Essa medida de colocar uma maioria armênia dentro da república azerbaijana, mesmo contra a vontade da população local armênia, fazia parte da estratégia soviética de “dividir para conquistar”.
Como consequência, de 1923 a 1989, a população armênia na região diminuiu de 95% para 76%, já que o governo do Azerbaijão dificultava a vida dos armênios e favorecia o estabelecimento dos azerbaijanos, numa tentativa de mudar o cenário da região e os fatos históricos.
E por anos a população armênia em Artsakh demandou fazer parte da República Soviética Socialista da Armênia e, se não fosse possível, da República Soviética Socialista da Rússia. Entretanto, esses pedidos não foram aceitos.
Até que em 1988, os armênios iniciaram um movimento nacional em Artsakh, com o objetivo de se separar do Azerbaijão. A esse movimento, foi dado o nome de Movimento Karabakh.
Apesar de ter oficialmente ter se iniciado em 1988, a primeira mobilização que levou à criação desse movimento começou em setembro de 1987, quando o primeiro partido não comunista na Armênia – chamado União Para a Autodeterminação Nacional – foi estabelecido por Paruyr Hayrikyan, que foi um dos líderes mais ativos do movimento democrático na União Soviética. E apenas semanas depois, no dia 18 de outubro, um pequeno comício foi realizado na Praça da Liberdade, em Yerevan, pedindo a unificação de Artsakh com a Armênia.
Já a partir de 1988 o movimento começa a ficar maior: no dia 13 de fevereiro, acontece a primeira manifestação em Stepanakert, capital de Artsakh; para muitos, esse é considerado o início do Movimento Karabakh – também, entre os dias 18 e 26 de fevereiro, várias manifestações aconteceram em Yerevan.
Porém, a data oficial, como relembramos hoje, é o dia 20 de fevereiro, pois foi nesse dia que o Conselho Regional Autônomo de Nagorno-Karabakh aprovou uma decisão sobre a unificação com a Armênia, lutando, assim, pelo direito dos armênios de Artsakh à autodeterminação.
E os armênios foram às ruas em peso: nos dias 24 e 25, 200 mil foram às ruas em Yerevan e 100 mil em Stepanakert; no dia 26, impressionantes 1 milhão em Yerevan e 120 mil em Stepanakert.
Ainda no dia 26, as manifestações pararam depois que Mikhail Gorbachev, então líder soviético, pediu tempo para desenvolver uma posição oficial do governo soviético.
Como consequência – ou represália – direta desse movimento legítimo, no dia 27 se iniciou a tragédia do Pogrom de Sumgait, onde multidões de azerbaijanos se formaram em grupos e atacaram e mataram armênios nas ruas e em seus apartamentos na cidade de Sumgait, no Azerbaijão Soviético; essa violência durou dias e é o mesmo tipo de violência contra armênios que vemos inclusive nos dias de hoje – e após esse triste caso, uma onda de pogroms contra armênios aconteceu em diversos lugares do território do Azerbaijão, incluindo o Pogrom de Baku (1990), na capital do país.
Apesar da negativa soviética e azerbaijana de unificação, o Partido Comunista de Nagorno-Karabakh adota uma resolução exigindo a unificação, que era uma demanda popular. E a partir de novembro, centenas de milhares se manifestaram em Yerevan para apoiar o Comitê Karabakh, que era formado por um grupo de intelectuais armênios e que tinha como objetivo a reunificação de Artsakh e Armênia – como retaliação, membros do comitê foram presos em dezembro e soltos apenas em maio de 1989.
Em 1990, também como consequência do Movimento Karabakh, o Conselho Supremo da República Socialista Soviética da Armênia assinava a Declaração da Soberania Estatal da Armênia, que significava que a Armênia anunciava sua independência da União Soviética, o que permitiu, em 1991, uma Armênia independente (link-notícia-30 anos independência da Armênia). E o primeiro presidente da Armênia, que foi eleito de forma democrática pelo povo, foi Levon Ter-Petrosyan, justamente o líder do Movimento Karabakh.
Sem ainda conquistar o que o povo armênio de Artsakh desejava, no dia 10 de dezembro de 1991 foi realizado um referendo, com uma simples pergunta (em armênio, azerbaijano e russo) nas cédulas: “Você concorda que a proclamada República de Nagorno-Karabakh seja um estado soberano, para determinar de forma independente formas de cooperação com outros estados e comunidades?” Dos estimados 132.328 eleitores elegíveis, 108.736 pessoas participaram no referendo (82,2%) e 108.615 pessoas votaram “a favor” (99,89% do número de votos).
E no dia 2 de setembro de 1992, a República de Nagorno-Karabakh, ou Artsakh, declarou a sua independência, levando em conta o desejo de sua população. Infelizmente, esse desejo nunca foi aceito pelo Azerbaijão, o que desencadeou uma guerra que durou até 1994, vencido pela Armênia – anos depois, em 2020, covardemente o Azerbaijão voltou a atacar Artsakh, desencadeando uma nova guerra.
A despeito dos tristes desdobramentos dessa nova guerra, chamada de Guerra dos 44 Dias, a lição do Movimento Karabakh está firme até os dias de hoje: ela uniu o povo armênio e marcou o início de uma nova etapa da luta de libertação nacional dos armênios de Artsakh, em um movimento pacífico que lutou por direitos civis, identidade nacional, igualdade nacional e vida digna, utilizando os mecanismos legais em vigor.
Que possamos ver, muito em breve, o desejo histórico do povo de Artsakh ser respeitado. Viva Artsakh e sua luta!