Guerra dos 44 dias em Artsakh

Guerra dos 44 dias

No dia 27 de setembro de 2020, o Azerbaijão lançou os ataques mais duros contra Artsakh – uma região autônoma armênia – desde a década de 90, em uma ação orquestrada com apoio da Turquia, que visava atingir não apenas alvos militares, mas a população civil em Artsakh e Armênia. No conflito, infelizmente, morreram mais de três mil armênios e outros 200 desapareceram. Entenda os motivos desse ataque, desde a sua origem.

Origens históricas

A República de Artsakh, também conhecida como Nagorno-Karabakh, é milenarmente habitada por armênios. Porém, em 1920, ela foi anexada à União Soviética e, três anos depois, foi estabelecida como uma região autônoma dentro da República Soviética Socialista do Azerbaijão. Essa medida de colocar uma maioria armênia dentro da república azerbaijana, mesmo contra a vontade da população local armênia, fazia parte da estratégia soviética de “dividir para conquistar”. 

Como consequência, de 1923 a 1989, a população armênia na região diminuiu de 95% para 76%, já que, com registros de diversos relatos, o governo do Azerbaijão perseguia e dificultava a integridade da vida dos armênios, favorecendo o estabelecimento dos azerbaijanos.

Por anos a população armênia em Artsakh demandou fazer parte da República Soviética Socialista da Armênia e, se não fosse possível, da República Soviética Socialista da Rússia. Entretanto, esses pedidos não foram aceitos.  Até que, em 1988, os armênios iniciaram um movimento nacional em Artsakh com o objetivo de se separar do Azerbaijão e restabelecer a integridade de seu território ancestral. Como resposta a esse movimento, as autoridades azerbaijanas organizaram massacres e deportações de populações armênias em diversas partes de Artsakh e do Azerbaijão.

A população armênia em Artsakh não desistiu de seu objetivo, e, no dia 2 de setembro de 1991, declarou sua independência da União Soviética, que estava prestes a entrar em colapso. Foi também realizado um plebiscito no dia 10 de dezembro de 1991, baseado no princípio da autodeterminação dos povos definido pela Carta da ONU de 1945 que confere aos povos o direito de autogoverno e de decidirem livremente a sua situação política, bem como aos Estados o direito de defender a sua existência e condição de independência. Como resultado, 99,86% da população armênia em Artsakh votou a favor da independência completa do Azerbaijão, manifestando seu desejo de viver na sua terra histórica e ancestral. 

Porém, após o anúncio da independência de Artsakh e do plebiscito, o exército do Azerbaijão atacou Artsakh e sua população, iniciando um conflito armado que vitimou cerca de 30 mil pessoas. O conflito terminou em 1994, quando o Exército da República de Artsakh, apoiado pelo exército armênio, venceu a guerra e pôde estabelecer, finalmente, uma república democrática e independente naquele território que habitavam há milhares de anos. A qual, no entanto, não foi reconhecida pela comunidade internacional. 

Em maio de 1994, um cessar-fogo foi assinado pelos representantes de Artsakh, da Armênia e do Azerbaijão. Mesmo com a derrota na guerra e com o acordo de cessar-fogo, assinado em 1994, o Azerbaijão sempre manteve uma política de ameaças e ataques contra Artsakh e Armênia, com diversas tensões entre as fronteiras do Azerbaijão não apenas com o território de Artsakh, mas também com o território soberano da Armênia.

Entre 1994 e 2015, as tensões continuaram, resultando na morte de soldados dos dois lados do território e da população civil armênia. Mais do que isso, pelo lado diplomático, são constantes as ameaças do presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, de entrar em guerra com a Armênia ou de anexar Artsakh ao Azerbaijão. Em 2016, o Azerbaijão atacou e invadiu o território de Artsakh, iniciando a “Guerra dos Quatro Dias”, que aconteceu entre os dias 1 e 5 de abril. Considerado o pior conflito armado na região até o momento desde 1994, essa guerra vitimou cerca de 350 pessoas e resultou na ocupação ilegal, por parte do Azerbaijão, em certos territórios da República de Artsakh. 

Conflito em 2020

Com a queda dos preços do petróleo,  a principal commodity do Azerbaijão, e a crise financeira em consequência da COVID-19, a economia do Azerbaijão foi gravemente afetada. Por isso, sua população foi às ruas protestar contra o governo, que é conhecido por corrupção e mantém a mesma família no poder desde xxxx.. Nesse contexto, uma guerra para reforçar a ideia de um “inimigo externo” foi lançada, desviando o foco dos verdadeiros problemas locais. Essa campanha contou com o apoio do principal aliado do Azerbaijão, a Turquia, que também enfrenta problemas internos, inflamados por diversos conflitos, em países como Síria e Chipre.

Devido a tudo isso, a política bélica do Azerbaijão foi exacerbada frente a um cenário tão difícil. E a primeira prova das reais intenções do Azerbaijão e de seu desejo de conflito vieram no dia 12 de julho de 2020, quando soldados azeris invadiram a fronteira com o território soberado da Armênia, na região de Tavush, e atacaram estruturas civis da vila armênia de Chinari. Como resultado desse ataque, vários soldados armênios foram mortos. Além disso, protestos na capital do Azerbaijão, Baku, gritavam “morte aos armênios” e exigiam uma nova guerra.

Na manhã do dia 27 de setembro de 2020, o Exército do Azerbaijão lançou uma grande ofensiva militar contra Artsakh, atacando alvos civis e a população civil do país na capital Stepanakert e na região de Martuni, impactando desde crianças a soldados armênios.

A população armênia não tinha o desejo de uma nova guerra e gostaria que os termos do cessar-fogo de 1994 fossem respeitados, mas precisava se defender. Por isso, o Exército da República de Artsakh respondeu às agressões do Azerbaijão. Nos dias que e seguiram, o território de Artsakh, incluindo sua capital, recebeu diversos ataques a estações de energia, hospitais e escolas. O exército do Azerbaijão, apoiado não oficialmente pela Turquia também utilizou diversas armas proibidas internacionalmente, causando danos não apenas à população de Artsakh mas também à flora e fauna da região.

Durante o conflito, que durou 44 dias, a UGAB Brasil realizou diversas campanhas para demonstrar apoio à Artsakh e para ajudar a população local. Além de apoiar a campanha “Nós Somos Nossas Fronteiras”, do Fundo Nacional Armênia, que visava atender a necessidades de assistência humanitária e médica em Artsakh e na Armênia, a UGAB Brasil lançou o site Paz na Armênia, que tinha o mesmo objetivo e que ajudou a arrecadar xxxxxx reais para todos os necessitados e afetados pelo conflito, o maior valor arrecadado até então em uma campanha no Brasil para a comunidade armênia. Também foi lançado uma campanha em vídeo, feita por jovens da comunidade armênia do Brasil, para conscientizar as pessoas do Brasil, mostrando a verdade sobre o conflito – para assistir ao vídeo, clique aqui. Outra campanha de conscientização realizada e disponibilizada em vídeo foi A Verdade sobre Artsakh, onde os armênios Arthur Haroyan e Anoushik Haroutiounian contam a verdade sobre o que estava acontecendo em Artsakh naquele período.

Outra demonstração de apoio veio por meio da Carreata pela Paz na Armênia e Artsakh, em São Paulo, que contou com a presença de centenas de pessoas, que pediam o fim das agressões do Azerbaijão e Turquia – a carreata foi coberta pela TV BandNews, que também entrevistou o presidente da UGAB Brasil, Haig Apovian; confira a reportagem aqui.

Além disso, foi realizado um ato de vigília Hskum.

Outra demonstração de apoio veio por meio da Carreata pela Paz na Armênia e Artsakh, em São Paulo, que contou com a presença de centenas de pessoas, que pediam o fim das agressões do Azerbaijão e Turquia.

E o conflito em Artsakh não afetava apenas a Armênia e Artsakh ou os armênios pelo mundo. Por exemplo, o governo da França baniu em seu território a organização turca neofascista e de extrema direita “Lobos Cinzentos”, que, inflamados pelo conflito e discursos de ódio, realizavam ataques violentos contra a população armênia que vivia na França. Além disso, diversas empresas, incluindo a Adidas e a Trimble Navigation, romperam contratos com o Azerbaijão e a Turquia por causa das constantes agressões contra Armênia e Artsakh.

Como consequência do conflito, que chegou ao fim no dia 10 de novembro de 2021, além da morte de milhares de armênios e de centenas de desaparecidos e presos, diversos territórios de Artsakh, que historicamente foram habitados por armênios, foram entregues ao Azerbaijão. Dentre esses territórios, que incluem nove cidades e 286 vilarejos, temos Shushi, uma cidade completamente ligada à história armênia e uma das capitais culturais do povo armênio.

A Rússia foi uma grande responsável em mediar o cessar fogo do conflito e, para garantir a paz, deslocou forças militares russas à Artsakh; a princípio, elas devem ser mantidas lá por cinco anos. Porém, mesmo com o cessar-fogo, as agressões e ataques do Azerbaijão continuam. Em pouco mais de um ano após o fim do conflito, eles já destruíram e colocaram em perigo monumentos históricos armênios na região, como igrejas milenares. E devido ao medo de novos massacres, como vários outros cometidos pelo Azerbaijão, milhares de armênios fugiram de suas casas, sem previsão de retorno.

E apesar de em 2021 termos celebrado, no dia 2 de setembro, os 30 anos da independência da República de Artsakh, as coisas não parecem melhorar. No dia 16 de setembro de 2021, em uma decisão histórica, a Armênia entrou com uma ação contra o Azerbaijão perante a Corte Internacional de Justiça da ONU por violações da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Como resultado das políticas de hostilidade patrocinadas pelo Estado do Azerbaijão, os armênios foram submetidos a assassinatos em massa, tortura, preconceito sistêmico com base em suas origens, entre outros abusos.

E mesmo após o cessar-fogo de novembro após a última guerra de Artsakh, o Azerbaijão continuou a se envolver no assassinato, tormento e maus-tratos de prisioneiros de guerra armênios, reféns e outras pessoas detidas. Durante o caso, a Corte Internacional de Justiça – que é o órgão máximo judicial da ONU e que resolve litígios entre países – também deve tomar medidas provisórias para proteger o país e os armênios de maiores danos e prevenir o agravamento ou extensão desta disputa

No dia 27 de setembro de 2021, quando completou um ano do início do conflito, um minuto de silêncio foi observado na Armênia e Artsakh. Também, a Diocese de Artsakh da Igreja Apóstolica Armênia celebrou uma missa em todas as suas igrejas. E com a continuidade das agressões contra armênios por parte do Azerbaijão e da Turquia, Gegham Stepanyan, o Defensor dos Direitos Humanos de Artsakh, comentou: “devemos ter em mente que os símbolos do Estado de Artsakh são parte integrante de nossos valores culturais, então a intolerância em relação a eles é outra prova de que o Azerbaijão está travando uma luta sistemática contra os valores culturais armênios em Artsakh.”

O desejo de todos os armênios, agora ou sempre, é paz e o fim das agressões.

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