Shavarsh Karapetyan, um improvável herói armênio

A Armênia, além de seus heróis clássicos e históricos, como Hayk Nahapet, o patriarca e fundador da Nação Armênia, também tem seus heróis comuns e não tão famosos. Entre eles, temos os heróis que lutam pela pátria, como aqueles que lutaram na Guerra dos 44 dias, e temos aqueles que viraram heróis por acaso, como Shavarsh Karapetyan, um até então simples nadador armênio, e que faz aniversário hoje, dia 19.

Vida, infância e natação

Karapetyan nasceu no dia 19 de maio de 1953 em Vanadzor, a terceira maior cidade da Armênia (que à época se chamava Kirovakan), na então União Soviética. Aos 11 anos de idade, junto de sua família, se mudou para Yerevan, onde terminou seus anos de escola e, posteriormente, frequentou uma escola técnica de mecânica de automóveis.

Devido ao conselho de amigos de sua família, desde muito cedo ele começou a nadar e, depois, ele começou a praticar natação com nadadeiras, onde se destacou a nível mundial – a natação com nadadeiras (mundialmente conhecida como “finswimming”) é um esporte nascido na década de 1950, que consiste em um nado subaquático, e por vezes na superfície, sem o uso dos braços e com o auxílio de uma nadadeira comum (uma para cada pé) ou de uma mononadadeira (visualmente duas unidas) e um snorkel.

No esporte, ele se tornou recordista mundial 11 vezes, conquistou sete campeonatos soviéticos, 13 campeonatos europeus e 17 campeonatos mundiais. Ao se aposentar, ainda jovem – e saberemos o porquê em breve –, ele havia conquistado 37 medalhas de ouro e havia recebido o título de Mestre do Mérito de Esportes da URSS.

Shavarsh Karapetyan em competição nos anos 70 na URSS

Heroísmo e aposentadoria

Em uma fria manhã, no dia 16 de setembro de 1976, Karapetyan havia acabado de completar uma prova de 26 quilômetros quando ouviu um grande estrondo e viu um trólebus afundando em um reservatório de água, que era conhecido como Lago Yerevan.

A causa exata do acidente com os 92 passageiros permanece desconhecida. Alguns disseram que um dos passageiros atacou o motorista após uma discussão entre eles; outros alegaram que o motorista teve um ataque cardíaco.

Com o veículo a 10 metros da superfície e a maioria dos passageiros estando inconscientes e submersos, sem pensar duas vezes, Shavarsh Karapetyan pulou na água congelante e pediu para que seu irmão, o também campeão de natação Kamo Karapetyan, o ajudasse no resgate.

E apesar das condições da água, que estavam infestadas de esgoto, e da pouca visibilidade devido ao lodo, Karapetyan mergulhou e usou suas pernas para chutar a janela traseira do trólebus. Ele mergulhou nas águas fritas e turvas do Lago Yerevan cerca de 40 vezes, entrando e saindo através de vidros quebrados, procurando os passageiros no escuro. Enquanto mergulhava, seu irmão Kamo cuidava das pessoas levadas à superfície.

Cada mergulho de Shavarsh Karapetyan levava cerca de 25 segundos e no último mergulho, à beira do desmaio, ele emergiu agarrado a uma almofada de assento, que pensou à época ser uma vítima. Sobre isso, ele disse anos depois: “tive pesadelos com aquela almofada por muito tempo. Eu poderia ter salvado a vida de outra pessoa”.

Após seu último mergulho, ele perdeu a consciência. Com cortes devido aos vidros e vítima de uma contaminação devido à poluição da água e, também, por uma grave pneumonia, Karapetyan foi hospitalizado junto às vítimas do acidente e ficou inconsciente por 46 dias, ficando entre a vida e a morte.

Sobre o acidente, ele disse anos depois: “Foi assustador no começo. Foi tão alto, como se uma bomba tivesse explodido. Quase me afoguei várias vezes. Eu podia imaginar a agonia daquelas 92 pessoas e sabia como elas iriam morrer”.

 

A operação de resgate no Lago Yerevan

Contrariando todas as expectativas, ele conseguiu se recuperar. Quando finalmente recebeu alta, voltou a praticar natação, mas nadar debaixo d’água era muito doloroso para seus pulmões. Mesmo assim, o atleta se recusou a se aposentar sem mais uma medalha. Durante o campeonato seguinte, ele nadou enquanto seu irmão Kamo corria ao longo da piscina, pronto para pular caso Shavarsh perdesse a consciência repentinamente. Mas ele chegou em primeiro e estabeleceu outro recorde mundial.

 

Shavarsh Karepetyan na época que ainda competia profissionalmente

A história do resgate heróico de Shavarsh, que era passada de uma pessoa para outra, se tornou uma lenda urbana em Yerevan, embora a imprensa soviética mantivesse tais relatos de acidentes em segredo. O resgate heroico e audacioso dele só foi divulgado apenas seis anos depois, quando o jornal Komsomolskaya Pravda publicou um artigo do jornalista Gennady Bocharov sobre o ocorrido, mas sem mencionar o número de mortos. Após a publicação, cerca de 60 mil cartas de toda a União Soviética chegaram a Shavarsh; muitas delas simplesmente endereçadas à “República Armênia, Yerevan, Shavarsh Karapetyan”.

Herói mais de uma vez

Por mais improvável que pareça, o resgate do trólebus que quase custou a sua vida não foi a primeira vez que Shavarsh Karapetyan salvou vidas. Em 1974, ele evitou um acidente envolvendo um ônibus que transportava 30 pessoas. O motorista havia estacionado o ônibus para verificar algum problema mecânico, mas deixou o motor ligado. De repente, o ônibus começou a descer uma ladeira em direção a um desfiladeiro na montanha. Karapetyan, que estava no ônibus, quebrou a divisória que separava o compartimento do motorista, agarrou o volante e desviou o veículo do abismo, salvando a vida de todos.

E o resgate do trólebus também não foi seu último ato de heroísmo. Em 1985, ele estava perto da Arena Esportiva e de Concertos de Yerevan quando um incêndio começou no prédio. Ele foi uma das primeiras pessoas a correr para ajudar os bombeiros e as pessoas no prédio. Infelizmente, mais uma vez ele precisou ser hospitalizado, já que sofreu queimaduras graves durante a operação de resgate.

Karapetyan com algumas das suas medalhas que conquistou durante sua vitoriosa carreira

Em 1993, ele se mudou para Moscou com sua esposa e três filhos, onde vive até hoje; na capital russa, ele tem uma loja de reparo de sapatos, chamada “segundo respiro”. Devido ao seu heroísmo, ele foi premiado com o prêmio “Fair Play” da UNESCO. Além disso, um asteroide descoberto em 1978, o 3027 Shavarsh, leva seu nome.

Completando 70 anos hoje, o herói armênio disse sobre seus feitos: “Qualquer um pode se encontrar em um lugar onde alguém precisa de ajuda, e mais de uma vez também; o principal é lembrar o que o torna humano.”

Shavarsh Karepetyan em foto recente

Facebook
Twitter
LinkedIn
Email
Pedidos ou Contato?