Hoje, dia 19 de janeiro, o mundo armênio completa 17 anos sem a voz e o trabalho do lendário jornalista e colunista armênio Hrant Dink, que foi assassinado em 2007 em Istambul, em frente ao Agos, o jornal do qual era editor-chefe.
Eternamente lembrado por suas ideias, vontade e empatia, além do seu corajoso e necessário trabalho e defesa dos direitos humanos, Hrant é um modelo para jornalistas de todo o mundo.
Mas antes de conhecer seu trabalho, é importante conhecer um pouco de sua história.
Vida
Hrant Dink nasceu em Malatya, Turquia, uma cidade historicamente armênia, em 15 de setembro de 1954. Filho mais velho de Sarkis Dink e Gülvart Dink, se mudou com sua família para Istambul quando tinha cinco anos de idade.
Um ano após a mudança, seus pais se separaram e Dink e seus irmãos Hosrop e Yervant ficaram sem lugar para morar. A Avó de Dink, então, matriculou os meninos no Orfanato Armênio Gedikpaşa, que é ligado à Igreja Protestante Armênia Gedikpaşa – esse foi o lar de Hrant Dink e irmãos pelos próximos dez anos; lá, ele foi adotado pelo Patriarca Shorkh Galstyan.
Hrant Dink (centro) com seus irmãos Hosrop e Yervant
Juntos, eles frequentaram a escola Incirdibi, no inverno, e no verão viviam no Acampamento Infantil Armênio de Tuzla – e foi no acampamento que em 1968 Hrant Dink conheceu sua futura esposa, Rakel Yağbasan, nascida em 1959, que foi criada no Orfanato Armênio de Tuzla.
Depois, Hrant se formou na escola secundária de Bezciyan e estudou no internato Surp Hac Tibrevank, tendo estudado parte do ensino médio na Escola Secundária Armênia Üsküdar Surp Haç, onde trabalhava como tutor ao mesmo tempo, e por fim, após ser expulso, na Escola Secundária Şişli.
Na Universidade de Istambul, estudou Zoologia e matriculou-se para um segundo bacharelado, em Filosofia, que não concluiu.
Depois de se formar na universidade, ele completou o serviço militar em Denizli. E não ter sido promovido a sargento, apesar de ter obtido a nota máxima no exame, o fez chorar; e graças a esse episódio de discriminação, que talvez tenha acontecido por ele ser armênio, o fez trilhar o caminho do ativismo.
Casou-se com Rakel e juntos tiveram três filhos. E nesse período, ele e a esposa assumiram a administração do Acampamento Infantil de Tuzla, onde eles próprios cresceram e começaram a cuidar de inúmeras crianças armênias. O campo passou por momentos difíceis sob a acusação de ali criar militantes armênios e foi finalmente confiscado pelo Estado em 1983. Após o encerramento do campo, Dink foi detido e preso três vezes devido às suas opiniões políticas.
Sobre o campo, ele comentou:
“Fui para Tuzla quando tinha 8 anos. Trabalhei lá durante 20 anos. Conheci minha esposa Rakel lá. Crescemos juntos. Nos casamos no campo. Nossos filhos nasceram lá… Depois do golpe militar de 12 de setembro, nosso gerente do campo foi preso sob a alegação de que estava criando militantes armênios. Uma afirmação injusta. Nenhum de nós foi criado para ser um militante. Meus amigos e eu, cada um de nós, antigos alunos do campo, corremos para preencher o trabalho para salvar o acampamento e o orfanato do fechamento. Mas então, um dia, eles nos entregaram um documento de um tribunal… ‘Acabamos de descobrir que suas instituições minoritárias não têm o direito de comprar imóveis. Nunca deveria ter lhe dado essa permissão naquela época. Este lugar agora retornará ao seu antigo proprietário.’ Lutamos por cinco anos e perdemos… Poucas chances tivemos com o estado como concorrente.”
Rakel e Hrant – eles se conheceram em 1968 e foram casados até 2007
E por um breve período jogou futebol profissionalmente pelo Taksim SK, time da comunidade armênia, na temporada 1982-1983.
De volta a Istambul, Dink fundou a “Beyaz Adam” (que significa “homem branco”), uma livraria com seus irmãos, ao mesmo tempo em que escrevia para o jornal armênio Marmara, de publicação diária. No jornal, ele escrevia especialmente resenhas de livros sobre a história armênia que eram impressos na Turquia. E para escrever no jornal, ele usava o pseudônimo “Cutak”, que significa em armênio “violino”.
Agos
No dia 5 de abril de 1996, Hrant Dink participou da fundação do jornal Agos, o primeiro publicado em Istambul em turco e armênio – a palavra Agos foi usada em ambas as línguas significando o local onde o arado abre um buraco no solo para dar a semente como fonte de fertilidade. A política dos jornais foi moldada à luz desta parceria simbólica e de fertilidade.
Desde sua fundação, o principal objetivo do Agos era criar solidariedade para a comunidade armênia na Turquia que não falava armênio, dar voz aos problemas dos armênios no país a nível estatal e obter apoio do público em geral, bem como partilhar a cultura e história armênia com a sociedade turca em geral.
Edição de 2023 do jornal Agos, fundado por Hrant Dink
Logo no início, o Agos atraiu a atenção com sua identidade de oposição. Criticou as fraquezas do sistema da comunidade armênia na Turquia, sublinhando a importância da transparência e da sociedade civil em projetos alternativos. Também, trouxe muitos temas marcantes como pauta, por exemplo, o estabelecimento de relações entre a Turquia e a Armênia, a abertura da fronteira entre os dois países e o apoio ao processo de democratização da Turquia.
Com o Agos, ele criou um importante veículo para a comunidade armênia na Turquia. E por meio de suas colunas, ele abordou questões sensíveis relacionadas à identidade armênia e às questões históricas e políticas que dividiram as duas comunidades.
E como editor-chefe da Agos, Hrant Dink atraiu a atenção do público com sua retórica, que abriu novas fronteiras de debate. Ele também escreveu colunas para os jornais diários Yeni Yüzyıl e BirGün.
Mas, provavelmente, o grande burburinho causado pelo jornal a nível nacional foi o estilo enfático com que o jornal abordou o Genocídio Armênio, em que focava nos sobreviventes; mais do que isso, ele levantou a necessidade de desenvolver publicações alternativas sobre esses acontecimentos, muito além das fontes oficiais do Estado, que negam o Genocídio.
E seu ativismo em defesa do reconhecimento do Genocídio Armênio que o colocou em confronto direto com as autoridades turcas. Dink acreditava firmemente na importância de confrontar o passado e reconhecer as injustiças históricas como um passo crucial para a reconciliação.
Hrant Dink, um dos grandes nomes da diáspora armênia
Tendo participado em muitas conferências Nos Estados Unidos, Austrália, Europa e Armênia, Hrant Dink suscitou um debate e um processo de questionamento sobre a identidade armênia e as relações turco-armênias, tanto no mundo armênio como também em vários países ocidentais, quanto ao seu papel histórico nas relações turco-armênias.
Uma das vozes armênias mais proeminentes da Turquia, apesar das ameaças contra a sua vida, ele se recusou a permanecer em silêncio. Ele sempre enfatizou a necessidade de democratização na Turquia e se concentrou nas questões da liberdade de expressão, dos direitos das minorias, dos direitos cívicos e das questões relativas à comunidade armênia na Turquia. Também, lutou incessantemente para construir uma sociedade mais justa e inclusive.
Sobretudo, ele foi um ativista da paz muito importante. Nos seus discursos públicos, muitas vezes intensamente emocionais, ele nunca se absteve de usar a palavra genocídio ao falar sobre o Genocídio Armênio, um termo veementemente rejeitado pela Turquia até os dias de hoje.
Lidando com um assunto sensível na sociedade turca, Hrant Dink foi processado diversas vezes nos termos do artigo 301 do código penal turco, por “atacar a Turquia” ou “insultar a identidade turca” – inclusive, ele teve que apelar à tribunais internacionais para que intercedessem em seu caso.
Assassinato
Sua coragem em desafiar as narrativas oficiais lhe rendeu tanto admiradores quanto críticos. Ele enfrentou ameaças de morte e perseguição por suas opiniões francas e intransigentes.
E, de forma trágica, Hrant Dink foi assassinado no dia 19 de janeiro de 2007, em frente à redação do jornal Agos. O crime foi cometido pelo jovem Ogün Samast, um jovem do interior da Turquia. Preso poucas horas depois, desde o começo foi tratado como herói pelas autoridades policiais turcas. E logo ficou claro para o mundo que Samast não agiu sozinho; ele tinha uma extensa rede política por trás.
Ainda em 2007 o jugalmento de Samast foi realizado. Junto a ele, outras 17 pessoas foram acusadas pelo Tribunal Penal de Istambul.
Condenado, Samast saiu da prisão por bom comportamento em 2023.
O jovem Ogün Samast (centro), que assassinou a tiros Hrant Dink em 2007; Samast foi recebido como herói pelos policiais que o prenderam
O assassinato de Hrant chocou tanto a Turquia quanto o mundo e gerou indignação generalizada. Seu funeral foi realizado em 23 de janeiro de 2007 na Igreja Patriarcal Surp Asdvadzadzin, no bairro de Kumkapı, em Istambul. Mais de 100 mil pessoas foram ao funeral e marcharam pelas ruas de Istambul exigindo uma resposta do governo turco. Muitas das pessoas exibiam cartazes e faixas com os dizeres “Somos todos Hrant. Somos todos armênios”.
100 mil pessoas foram às ruas de Istambul para o funeral de Hrant Dink, no dia 23 de janeiro
Legado
Herói e amigo querido de todos que o conheceram, Dink defendeu os direitos dos armênios e de todas as pessoas em todo o mundo. E nas palavras do professor armênio-libanês Vicken Cheterian:
“E foi sua coragem que transformou a luta do Genocídio Armênio num debate interno na Turquia. Durante uma década, ele envolveu a opinião pública turca e a classe intelectual, questionando o silêncio de muitos. Ele pagou o preço mais alto pela sua ousadia; ele foi ameaçado, assediado e eventualmente assassinado. Mesmo assim, ele venceu. Ele conseguiu fazer do Genocídio Armênio uma questão turca, um debate necessário para a liberdade de expressão, de justiça e de democratização dentro da Turquia.
E o importante trabalho de Hrant Dink continua por meio da Fundação Hrant Dink; para saber mais sobre a fundação, clique aqui.
“Aqueles que ainda hoje defendem o esquecimento não têm medo apenas do passado, mas também do futuro. Um passado inesquecível é a garantia do futuro.”
-Hrant Dink